Os números ainda não foram divulgados, mas é seguro dizer que boa parte das pessoas que foram ao cinema ver Os Incríveis 2 na última semana são jovens que viveram sua infância e adolescência no começo dos anos 2000. A primeira animação da Pixar, lançada no fim de 2004, é rotineiramente citada por rapazes e moças, particularmente na faixa dos 20-30 anos, como um dos seus filmes favoritos, e após 14 anos de longa espera, eles finalmente ganharam a continuação que tanto desejavam.
Mais uma vez dirigido por Brad Bird, Os Incríveis 2 continua de onde o primeiro parou, acompanhando novamente as aventuras da família Pêra. Os pais, Beto e Helena, voltaram a ser os famosos super-heróis Sr. Incrível e Mulher-Elástica, enquanto seus filhos – Flecha, Violeta e o bebê Zezé – começam a aprender e usar os seus poderes. O problema é que os heróis são considerados ilegais em todo o mundo, então o casal precisa agir em segredo, até que surge a possibilidade de mudar essa situação e permitir que os dias de glória voltem. Enquanto isso não acontece, fica claro que ambos têm uma saudade enorme dos tempos passados.
Esse sempre foi o tema principal da narrativa de Os Incríveis. O conflito do primeiro filme acontece, primariamente, porque Beto não aguenta mais viver uma vida mundana e normal. A continuação deixa claro que esse desejo existe também em Helena. Mesmo que ela esconda melhor e consiga suportar mais a rotina do cotidiano, no momento em que surge a oportunidade de combater o crime novamente, a Mulher-Elástica sorri, comemora e desfruta dos seus feitos heroicos. A saudade é o que empurra os personagens principais para a frente.
Essa saudade ganhou uma qualidade quase metalinguística em Os Incríveis 2, especialmente para a geração que assistiu à primeira animação nos seus anos de crescimento. Muita coisa mudou de lá pra cá. Surgiram as redes sociais, presidentes assumiram e deixaram o comando dos principais países do mundo e o iPhone mudou completamente a forma como vivemos. Isso sem falar nas mudanças pessoais. Para quem assistiu Os Incríveis enquanto crescia, veio o vestibular, faculdade, estágios, primeiro emprego, auto-escola e quem sabe até um casamento. Voltar a acompanhar a vida da família Pêra, sem dúvidas, tem uma característica nostálgica. Ouvir as vozes familiares dos dubladores já é suficiente para dar um gostinho de infância ao longo.
Todas as gerações passam por isso. A saudade dos “tempos mais simples” quando éramos crianças e a vida não era tão complicado. Sentimos falta do lugar onde vivíamos e das pessoas com quem conversávamos dia após dia da mesma forma que Beto e Helena sentem falta de colocar seus uniformes e partir para a ação. No fundo, o que eles mais querem de volta são suas identidades. Aquilo que os completa. Eles percebem que algo está faltando no mundo.
A maioria de nós já deve ter sentido, em algum momento, vontade de voltar a ser crianças, mas eu suspeito que se conseguíssemos passar mais um dia na nossa infância, rapidamente entenderíamos que essa não é a solução para esse sentimento de que algo está errado. Com o passar dos anos nossa memória, algo tremendamente falho, nos passa a imagem de que antigamente o mundo era perfeito. Entretanto, isso não passa de uma ilusão. Sim, você não tinha contas para pagar, mas também não tinha qualquer independência financeira. Talvez você queira voltar para a cidade onde morou, mas não encontrará seus novos amigos lá.
A nostalgia é mais uma das formas do nosso coração nos dizer que está insatisfeito, e a Bíblia nos ensina que nada nesse mundo, nem o passado ou o futuro, podem preencher o vazio infinito que se instalou em nós após a queda, só um Deus igualmente infinito é capaz de resolver esse problema. O sentimento universal da saudade parte da certeza quase inconsciente que existe em todos nós, especialmente aqueles que vivem pela fé em Jesus: nós não somos daqui, esta não é nossa casa (João 17:14-16). Ou, como C.S. Lewis sabiamente disse:
Se eu encontro em mim um desejo que nenhuma experiência desse mundo possa satisfazer, a explicação mais provável é que eu fui feito para um outro mundo
Somos cidadãos de outro reino e estávamos separados do nosso Pai. Só no céu estaremos totalmente plenos, livres de toda saudade e nostalgia. Mas, felizmente, a vida de lá já pode ser desfrutada aqui. Quando Cristo morreu em nosso lugar e o véu rasgou, nosso salvador pavimentou a estrada para a casa, nos deu livre acesso a Deus (Efésios 3:12). Desde já podemos buscar a alegria que tanto desejamos, a satisfação que sentimos que está faltando. No Senhor toda a impressão de que algo está errado vai embora. Não basta voltar ao passado ou reencontrar elementos da infância.
Talvez o arco mais interessante da narrativa de Os Incríveis 2 seja o de Beto, que deseja voltar ao passado até mais do que sua esposa. Mas quando Helena precisa sair numa missão, ele se vê responsável pela casa por alguns dias, precisando cuidar da alimentação, educação e do emocional dos seus três filhos. Depois de um começo tumultuoso, o Sr. Incrível se vê feliz ao solucionar problemas matemáticos com Flecha, ou descobrindo os poderes de Zezé, e no aprofundamento do seu relacionamento com Violeta.
Não vou entrar em spoilers, mas é seguro dizer que Beto se mostra muito mais satisfeito no fim do filme. Ele não se importa mais tanto com receber a glória por feitos heroicos. Em sua casa, ele encontra o que precisava. Assim também é conosco. Da mesma forma como esses heróis têm suas identidades firmadas nas máscaras e capas que usam, a nossa está fundamentada no maior do mundo. O único capaz de matar toda a saudade.
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