Poucos capítulos são tão proveitosos para estudar e aprender sobre a própria Bíblia quanto o Salmo 119, o mais longo de toda a Escritura Sagrada. Sua autoria é desconhecida, mas seu autor fez um trabalho único, com a bênção graça divina, na escrita. Ele é um salmo acróstico, no qual a primeira letra de cada verso é uma das 22 letras do alfabeto hebraico. Seu propósito é demonstrar a excelência da Palavra de Deus.
Para fazer isto, o autor vai discursar acerca da necessidade que temos de ouvir e praticar aquilo que Deus ordena e dos benefícios decorridos desta obediência. Assim sendo, o salmista irá se empenhar para nos mostrar que:
– Nós temos a necessidade de estudar de forma constante e diligente a palavra de Deus. Como o apóstolo Paulo diz: “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade – 2 Timóteo 2:15”.
– Nós temos a necessidade de crer e praticar de forma constante aquilo que Deus nos ordena em Sua palavra. Como Tiago, o irmão do Senhor nos diz: “Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos – Tiago 1:22.
– Que a palavra de Deus é incomparável como conselheira e consoladora e constitui-se no único meio pelo qual podemos alcançar a verdadeira felicidade. É bom lembrar que o Senhor Jesus é a palavra viva de Deus, pois “Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai – João 1:14”, enquanto que a Bíblia é a palavra escrita de Deus.
Quando falamos da palavra escrita de Deus, a Bíblia, este Salmo nos ajuda a lembrar que a força humana é incapaz de obedecer aos mandamentos divinos. Deus mesmo precisa criar em nós tanto a vontade quanto a força para sermos obedientes a Deus. O apóstolo Paulo se refere a esta verdade dizendo: “Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Filipenses 2:13).
Para alcançar seu propósito, o autor do Salmo 119 lança mão do uso de sinônimos da expressão hebraica תּוֹרָה (toráh), que é comumente traduzida por lei. De fato, somente o verso 122 não traz uma referência à lei ou a qualquer dos outros sinônimos usados pelo autor. Quando analisamos o Salmo 119 atentamente podemos listar o seguinte uso da expressão תּוֹרָה (toráh – lei) e de seus sinônimos:
· תּוֹרָה – toráh – lei. Neste Salmo o uso da expressão lei não está restrito à lei dada a Moisés no monte Sinai, e corresponde à lei de Deus no sentido mais amplo possível, compreendendo absolutamente tudo que Deus ordenou para nossa obediência e conformidade.
· עֵדוֹת – edot – testemunho. Existia uma cópia da lei de Deus colocada dentro do Santo dos Santos no Tabernáculo e do Templo em Jerusalém para servir de testemunha de acusação contra o povo de Israel diante do único Deus verdadeiramente misericordioso e perdoador – veja Deuteronômio 31:26.
· פִקֻּד – piqqud – preceito. Constitui-se de instruções dadas aos homens para dirigi-los na conduta correta.
· חֻקַּת – hukat – decretos ou estatutos. Falam da força obrigatória e da permanência das Escrituras em se tratando de leis “registradas para os dias vindouros, para sempre, perpetuamente” – ver Isaías 30:8.
· מִצְוֹת – misvot – mandamentos. Palavra usada para ressaltar a qualidade daquilo que está sendo dito.
· מִשְׁפְּט – mishpat – juízo. Refere-se às decisões do Juiz onisciente a respeito de situações humanas comuns. As Escrituras são o padrão que deve reger o relacionamento entre as pessoas por este motivo são elas exatamente que definem por excelência este termo.
· דְּבָר – debar – palavra ou דְּבָרִים – debarim – palavras. Este é o termo mais comum e abrange toda a verdade de Deus seja ela declarada, prometida ou mandada.
· אִמְרה – imrah – ordenanças. Esta expressão é por vezes traduzida como palavra, pois os tradutores buscam o melhor equilíbrio na língua de destino. Ela se refere a qualquer coisa que tenha sido dita por Deus. Como nem tudo o que Deus fala é promessa no sentido nato da palavra em português os tradutores têm optado por traduzir a mesma por “palavra”.
Além destas oito expressões, outras também podem ser usadas para se fazer referência à auto-revelação de Deus. Em Salmos 119:3 e 37 encontramos a expressão “teus caminhos” sem o acompanhamento de nenhum dos termos mencionados acima. Em Salmos 119:132 encontramos “teu nome” e em Salmos 119:90 temos “tua fidelidade”. Estas duas últimas expressões servem para se referir primariamente à imutabilidade daquilo que Deus tem decretado.
Diante desse belíssimo Salmo nós podemos meditar um pouco sobre o poder que a Palavra de Deus exerce sobre a nossa vida.
Ela tem o poder para trazer avivamento espiritual (vs. 25, 37, 40, 50, 88, 107, 149, 154, 156, 159). E aqui precisamos refletir sobre o sentido real do avivamento. Como Jonathan Edwards bem explicou, este acontecimento não é apenas emocionalismo perdido, mas uma inundação da Palavra de Deus que produz, em nós, um grande amor pelo Senhor. Nós não precisamos ser lembrados ou incentivados à lê-la e vivê-la, isso acontece naturalmente e em todas as áreas de nossa vida.
Avivamento não é apenas emocionalismo perdido, mas uma inundação da Palavra de Deus que produz, em nós, um grande amor pelo Senhor
Nas Escrituras também podemos satisfazer plenamente os anseios de nossa alma. O salmo começa, nos vs. 1-2, já falando que somos bem-aventurados, ou felizes, abençoados, completos e reconhece a Bíblia como a solução para tristezas da alma (vs. 25 e 28). Na Palavra, podemos estar plenos mesmo diante dos inimigos e perseguidores (vs. 42, 51, 68, 71, 157), das aflições, angústias e laços de morte (vs. 92, 107, 153), e das ansiedades e incertezas do caminho (v. 105)
Talvez uma boa ilustração para esse ponto seja entender que a lâmpada do v. 105 não é uma lanterna que ilumina tudo na nossa frente, mas uma lamparina que carregamos conosco enquanto andamos. Imagem que é bastante representativa para os peregrinos que faziam suas longas caminhadas em meio ao deserto. Ela ilumina o que está ao nosso redor, e precisamos continuar indo em frente para que a luz alcance novos lugares. É isso que significa esperar em Deus, viver na dependência dele, sabendo que Ele nos guiará enquanto caminhamos.
Finalmente, a Bíblia tem poder para nos conduzir em crescimento espiritual. O amor e prazer pela Palavra de Deus está presente em todo o Salmo (vs. 16, 47-48, 97, 127, 167 e 174), e ele nos chama a desviar os pés do caminho mau (vs. 9, 11, 133 e 168). Em todos esses versículos podemos encontrar os fundamentos essenciais da nossa vida cristã, como adoração, comunhão, serviço / ministério, evangelização e discipulado.
O que temos feito diante dessa Palavra que é mais doce que o mel à boca (v. 103) e mais valiosa que o ouro refinado (v. 127)? Como temos avaliado nossa vida, tomado decisões, guiado nossa família? Quais são os parâmetros, se não a própria Bíblia? O que tem influenciado as estruturas do nosso coração? Não estamos falando de comportamentos, mas o que serve como motor da nossa vida?
O Salmo 119 nos revela que a Bíblia é suficiente para nos avivar, satisfazer e amadurecer espiritualmente.
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