Assim como a ida de Paulo à Listra, a visita do apóstolo à lendária cidade de Atenas é uma oportunidade grande de aprender muito sobre ídolos e nossa relação com eles. Agora em sua segunda viagem missionária, Paulo tem tido êxito e perseguição por onde passa nessa jornada, indo por Filipos, Tessalônica e Beréia antes de chegar à capital grega.
Atenas era uma cidade na qual, segundo o escritor romano Petrônio, que viveu entre 27 e 66 D.C., era mais fácil encontrar um deus do que um homem, já que cada portal ou pórtico tem uma divindade protetora. Ídolos que, apesar das estátuas, serviam como ambientes pessoais, às vezes oculto, e funcionando quase como animais de estimação para as pessoas. Como João Calvino já disse, o coração dos homens é uma fábrica de ídolos, e como exploramos aqui semana passada, a idolatria continua firme e forte hoje em dia.
“O que Atenas tem a ver com Jerusalém?” – Tertuliano.
Paulo agora pisa no solo de Atenas, a capital intelectual do mundo, a cidade de Péricles, Sócrates, Platão e Aristóteles. O veterano apóstolo pisa na terra dos grandes ícones da filosofia, dos homens que encheram bibliotecas com sua erudição.
A Grécia tornou-se o berço da sabedoria da humanidade através de seus ilustres filósofos. Atenas foi a responsável pela civilização helênica, cultura que durou séculos e atravessou continentes. Ela estava entre as três cidades mais importantes do mundo greco-romano, ao lado de Alexandria e Tarso.
A tradição ateniense era muito radical em conservar o seu berço intelectual, por isso, novas ideias lançadas por estrangeiros eram vistas com grandes reservas. Na verdade, o pensamento de comparar e de igualar o texto sagrado com qualquer outro texto não bíblico, já era vigente antes da explosão da teologia liberal no Século XVIII. Boa parte dos atenienses via o evangelho anunciado por Paulo como uma nova ideia que estava sendo disseminada e deveria ser posta à prova pelos sábios da cidade como quaisquer novas ideias a serem difundidas ou as que já passaram ali.
Paulo certamente soubera do perfil histórico da Atenas, mas não foi essa razão que o levou a visitar a cidade, chegou ali de forma forçada e decidiu pôr em prática sua maior tarefa já vista: proclamar o evangelho. O apóstolo Paulo se dirigia a Atenas; e lá, dissertando na sinagoga, ficou muito impressionado à vista da idolatria geral dessa cidade indolente. Talvez impressionado seja uma palavra que não faça jus à reação do apóstolo. O adjetivo no grego é “paroxuno”, algo mais semelhante à “queimando de raiva.” Além disso, havia disputa todos os dias na praça pública com os filósofos.
Os Epicureus e os Estóicos
Filósofos que contendiam com o apóstolo ao invés de abrirem seus corações para a Verdade seguiam, primariamente, duas correntes. Havia os epicureus e os estóicos.
Não pretendo aqui aprofundar muito sobre as correntes de pensamento filosófico da Grécia antiga. Porém, como o livro de Atos faz menção aos epicureus e aos estóicos, considero relevante para melhor entendermos a situação contextual ao menos definir quem eram tais grupos de pensadores e no que eles acreditavam.
Segundo a História, Epicuro teria vivido entre os anos de 341 a 270 a.C. e desenvolveu ideias pregadas por Aristipo, o qual, por sua vez, fora discípulo de Sócrates e dizia que o prazer seria o bem supremo da vida. Assim, para os epicureus a razão de viver do homem seria a busca do prazer que era alcançado através da ponderação e do autocontrole sobre os desejos humanos a fim de se alcançar o “prazer supremo”. Dentro da perspectiva terrena que tinha quanto à vida, Epicuro considerava que, após morrer, o homem simplesmente deixaria de existir, de modo que para os epicureus só interessava saber viver o momento.
Já o estoicismo tratava-se de uma outra escola filosófica ateniense que também surgiu por volta do ano 300 a.C., fundada por Zenão de Cítio. Seus seguidores negavam a oposição entre o espírito e o corpo (para eles só haveria matéria) e acreditavam que a morte seria um acontecimento da natureza em que, devido a isto, caberia ao homem aceitar o destino que lhe estava reservado.
Deste modo, os estóicos entendiam que viver conforme as determinações da natureza seria “agir dentro da razão”. E, na época de Paulo, estes pensadores eram acentuadamente religiosos, tendo se tornado praticantes de um moralismo hipócrita e adorando diversos deuses, sendo que, curiosamente, a maioria de seus líderes, como Zenão e Sêneca, cometeram suicídio. Como fica claro, a vida após a morte era um conceito que não era aceito por nenhuma dessas correntes.
Altar “Ao Deus Desconhecido”
Paulo é chamado de tagarela pelos atenienses (local de reuniões do conselho da cidade para decisões sobre justiça, moralidade, religião etc, dedicado ao deus Ares) e é levado ao areópago para expor suas ideias sobre Jesus e a ressurreição. Paulo é questionado quanto a essa nova doutrina que ensina e faz uma grande pregação a partir de um altar consagrado “ao Deus desconhecido”.
Nessa pregação, Paulo contextualiza a mensagem de uma maneira brilhante (Os atenienses não conheciam a história Bíblica do Antigo Testamento). Abrindo com um elogio aos atenienses: em tudo, vejo vocês muito religiosos. Citando também poetas gregos como Epimênides (600 a.C.) e Aratus (315 a.C.).
O discurso de Paulo se baseia em um altar onde se podia ler “Ao Deus Desconhecido”. Paulo conhecia a história por trás deste altar, por isso para entendermos este discurso, vou resumir a história que se passa em meados do 600 a. C. :
Conta-se que uma grande seca acometeu a região de Atenas. Muitos sacrifícios foram realizados para os mais de 30 mil deuses atenienses, até alguns sacerdotes egípcios e babilônicos tentaram resolver este problema, mas não obtiveram sucesso. Dentre os habitantes de Atenas, havia um sujeito que era tido como “esquisito”. Este sujeito chamava-se Epimênides. Natural de Cnossos (Ilha de Creta), Epimênides acreditava em um único Deus e era totalmente contra o politeísmo difundido em Atenas.
Os habitantes então recorrem a Epimênides e seu único “deus”. Ele então pede que enviassem ovelhas para o Areópago e as deixassem livre, pois elas mostrariam o local onde se deveria criar um altar para o único Deus. As ovelhas então se instalaram em um local onde não havia nenhum outro altar. Ali, a pedido de Epimênides, foi construído um altar ao “DEUS DESCONHECIDO”. Só assim, então, choveu novamente em Atenas.
Paulo, portanto, fala acerca do altar construído a mando de Epimênides, ao Deus Desconhecido, que na realidade ele aponta como sendo o único Deus verdadeiro!
Quem é esse Deus Desconhecido
Assim como em Listra, Paulo começa a pregação com a linguagem mais universal que é a da criação. Para judeus, Paulo prega a partir da revelação do antigo Testamento, mas aos gentios a partir da criação. Esse é o Deus criador de todas as coisas (v. 24-26).
Paulo usa a palavra “Cosmos” para o mundo criado, o que aponta para todo o mundo organizado e afirma que toda a ordem e harmonia do mundo criado foi estabelecido por um Deus pessoal e amoroso. O apóstolo sabe que há uma grande importância na teologia da criação, pois ela nos revela sobre a pessoa e caráter de Deus.
No pensamento bíblico, a criação não deve ser adorada por não ser divina, mas ela é, sim, sagrada. A construção de um templo antigo era um retrato da maneira como se acreditava no cosmos. A última coisa a acontecer no mundo antigo quando se constrói um templo era que a imagem do Deus adorado era colocada no templo.
Em Gênesis 1, a última coisa que acontece é que a imagem de Deus é colocada nesse templo; homem e mulher. Se existe alguma divindade no cosmo, ela parece conosco. A criação do cosmos é narrada como a construção de um templo. O cosmos é o lugar da habitação e ação de Deus. Ao contrário do pensamento materialista (marxista e capitalista), onde o cosmos é um lugar a ser explorado, o pensamento bíblico diz que ele deve ser cuidado e preservado.
Uma forte implicação disso é que o Gênesis narra que o cosmos é bom. A própria descrição das árvores do jardim é de algo agradável aos olhos e bom para se comer. Deus se preocupa com questões estéticas. Ele é um Deus bom que cria um cosmos bom. A criação, portanto, não é um problema a ser superado no pensamento bíblico, é um lugar maravilhoso, e aquilo que experimentamos em nossos sentidos não esconde Deus. É muito importante entender que não existe algo intrínseco de negativo na criação, isso nos introduz numa perspectiva de afirmação do mundo.
Deus não apenas criou, como também sustenta tudo com Sua mão forte e benevolente (v.25-26). Ele a todos dá a vida, a respiração e tudo o mais. Deus que cuida de questões grandes e complexas, como também de coisas pequenas e simples. Cada detalhe da nossa vida é regido pelo Senhor.
Além de criar todas as coisas com Seu poder e sustentá-las com sua soberania e Graça, Deus também se relaciona pessoalmente com o homem. Uma grande novidade do Evangelho é justamente a proximidade e intimidade que o homem pode ter com Ele (v.27-28). Através da graça comum, a qual os povos da terra expressam seus anseios por um Deus criador e relacional, Paulo usa de um poema grego e o resgata para dentro da ótica do Evangelho, ao afirmar: nele vivemos, e nos movemos e existimos – como em Romanos 11:36, “porque Dele, por meio Dele e para Ele são todas as coisas.”
Mas, esse Deus verdadeiro não se limita a qualquer elemento da criação (v. 29). Ele não foi feito a nossa imagem e semelhança. A idolatria do ego e da selfie, nos escraviza a construirmos deuses que imprimam conforto e segurança em nosso mundo violento. Deuses egocêntricos. Somos transformados na imagem daquilo que adoramos – seja dinheiro, prazer, disciplina, trabalho, conforto – Adoramos aos nossos deuses e ficamos presos em nosso próprio ego. A adoração ao Deus Verdadeiro nos liberta do nosso próprio ego e nos envolve no mundo de Deus. A medida que adoramos a Deus somos transformados mais e mais a sua imagem revelada, a pessoa do Seu Filho Jesus: a imagem do Deus invisível, a plenitude de todas as coisas.
Esse Deus se revela (v. 30) a todos os lugares e culturas, além de ser um Deus de justiça (v. 31), unindo perfeitamente a verdade e o amor, bem como a justiça e a paz. Deus não somente ama e abençoa, mas também julga a Terra e os povos com justiça e equidade por meio de um varão: Jesus! A justiça de Deus não é definida apenas por um livro de lei, mas mediante uma pessoa: Jesus, o Verbo encarnado! O juízo final faz parte da pregação do Evangelho. Muitas vezes, prendemos a pregação do Evangelho aos ídolos modernos retirando expressões dele para que seja mais aceito e amolgado a vida das pessoas. Retiramos a ideia de inferno, pecado, justiça de Deus e colocamos o Evangelho preso aos ídolos da Atenas do século XXI.
Por fim, vem a conclusão de Paulo.
Este é um Deus que ressuscita os mortos (v. 31). A pregação de Paulo começa com a criação e é conduzida até a ressurreição, mas aqui ele é interrompido. A ressurreição seria o ponto mais duro no coração dos gregos para ser quebrado pela pregação do Evangelho. A pedra de tropeço do Evangelho para os judeus era “um messias sofredor” e para os gregos era a “ressurreição”. É interessante notar, que em ordem cronológica, o discurso de Paulo começa pela criação e o ápice dele não é o juízo final, mas a própria ressurreição, porque na criação e ressurreição entendemos o caráter de um Deus que ama a sua criação e se relaciona com ela. Essa é a razão pela qual o apóstolo sabe que não pode deixar a ressurreição de fora de sua missão na Grécia.
Concluindo
Na sociedade moderna, temos o conhecimento e a experiência como soluções para nos libertar dos ídolos. Tudo isso, fruto das heranças grega e moderna alicerçando as estruturas da mente e coração do mundo ocidental. A pós-modernidade , ou modernidade tardia, transformou essas estruturas universais (conhecimento e experiência) em algo personalizado a cada ego. “Aquilo que eu penso” e “aquilo que eu sinto” são os grandes senhores do nosso ego que nos escravizam!
No entanto, a resposta bíblica está baseada na revelação do Evangelho! Uma verdade que é maior do que uma simples escola de pensamento ateniense. A verdade de Deus é uma pessoa! E na teologia Bíblica a expressão da verdade significa estabilidade, fundamento! É a rocha que edifica uma casa que nada consegue destruir!
Por isso, diante de um texto tão rico como esse em Atos, podemos aprender a:
-
Nos encantarmos menos com os ídolos culturais do mundo ocidental e nos indignar mais. Tanto com os ídolos antigos como com os ídolos novos e performáticos (materialismo, tecnologia, ciência, poder, self etc).
-
Aproveitarmos todas as oportunidades para que a pregação do Evangelho aconteça nas ruas e praças da nossa cidade. O mundo está sedento e clamando por um “deus desconhecido”.
-
Utilizar as oposições da vida como combustível para continuar a fim de que a glória de Deus se manifeste em nós e através de nós, ao invés de perder as forças e desfalecer na caminhada..
-
Aprender que o Evangelho não precisa ser enfeitado ou amolgado aos ouvidos da nossa época, mas pode ser pregado em toda sua essência e conteúdo. Pois, naturalmente o Evangelho produz discípulos ou opositores.
-
E, por último, que a pregação apologética bíblica não está fundamentada em filósofos e pensadores de nossa época, nem muito menos em comportamentos, mas na teologia da criação! Pois a cosmologia produz uma boa teologia, que produz um bom entendimento da natureza humana, que produz a nossa vida em comunidade e comportamentos.
Comentários