Na primeira parte deste texto, falamos sobre a necessidade de estarmos prontos para a vida adulta e todas as suas dificuldades. É importante entender que crescemos e vamos enfrentar novos desafios, mas é ainda mais importante termos maturidade espiritual para tal. Agora, através da palavra de Estevão em Atos 7, vamos observar mais a fundo as fases da vida de Moisés para ver isso se realizando neste grande herói da fé.
Essa reflexão a partir da vida de Moisés é fruto de uma conversa em meio a uma caminhada com nosso Pr. Antônio Sávio. Aquelas boas conversas do caminho. Gostaria, ainda, de indicar a leitura do livro “Moisés: um homem dedicado e generoso”, da série Heróis da Fé, autor Charles Swindoll.
A narrativa do caminho de Deus com Moisés nos ajudará a entender o Seu Reino em meio ao desenvolvimento de uma vida adulta e madura.
1. Seus primeiros 40 anos de formação no Egito
Na primeira fase (Atos 7:20 a 23), em seus primeiros quarenta anos de vida, Moisés foi criado pela filha de Faraó, sendo educado em toda a ciência dos egípcios.
“20 Por esse tempo, nasceu Moisés, que era formoso aos olhos de Deus. Por três meses, foi ele mantido na casa de seu pai; 21 quando foi exposto, a filha de Faraó o recolheu e criou como seu próprio filho. 22 E Moisés foi educado em toda a ciência dos egípcios e era poderoso em palavras e obras. 23 Quando completou quarenta anos, veio-lhe a idéia de visitar seus irmãos, os filhos de Israel”
A linha de tempo apontada aqui no texto descreve o período em que o povo de Israel vivia como escravo no Egito, em uma situação grave após a morte de José e o surgimento de um rei/faraó que não conhecia mais a José e a história dos israelitas. Esse novo Faraó viu o crescimento do povo de Israel no Egito e, por seus temores, deu ordens às parteiras para que matassem todos os filhos homens dos israelitas.
Assim, Êxodo 2 inicia a narrativa de Moisés como formoso desde o seu nascimento, sendo escondido pelos pais para que não morresse, depois colocado em um cesto no rio e ser encontrado pela filha do Faraó, que deu logo seu nome “tirado das águas”. Na providência divina, a verdadeira mãe de Moisés foi convocada para cuidar da criança. Dessa forma, Moisés foi educado em toda a ciência dos egípcios, o filho da filha de Faraó, poderoso em palavras e obras. Uma formação acadêmica excepcional. Teria currículo mais competente que esse para libertar o povo e realizar a obra de Deus na Terra?
Segundo historiadores, no período do “Novo Reino” do Egito, (provável período em que Moisés cresceu) havia grandes instalações educacionais da corte egípcia, que serviam para treinar os herdeiros reais de príncipes tributários. Embora esses príncipes fossem mantidos como reféns para assegurar o recebimento de impostos, estes jovens eram muito bem tratados naquela prisão principesca, pois se falecia algum príncipe distante, um filho seu que fora treinado nestas grandes instalações educacionais e em toda cultura egípcia, seria nomeado para ocupar o trono vago, na esperança de que se tornaria leal vassalo de Faraó.
É altamente provável que Moisés tivesse recebido seu treinamento egípcio na companhia de herdeiros reais da Síria e de outras terras. Este centro educacional também é identificado por alguns como o “Templo do Sol”, local descoberto por arqueólogos da atualidade. E devido a sua magnitude, hoje, muitos estudiosos o chamam de “Oxford do Mundo Antigo”. Comparações com Harvard, Berkeley e Cambridge também se encaixam aqui.
Moisés estava no Vale do Silício de sua época sendo formado como líder para a próxima geração. Ou seja, sendo preparado para os enfrentamentos da vida adulta. Sabemos que por graça e misericórdia de Deus, todas as coisas que fazem parte da nossa formação podem ser canalizadas para a Sua própria Glória. Então, lá estava Moisés sendo educado no sistema mais avançado de sua época para ser o libertador e o legislador de Israel sem saber ou imaginar.
Formação educacional é muito importante, especialmente em nossa era; mas dentro de uma cosmovisão bíblica, conhecimento não é tudo. Conhecimento não é poder. Um homem ou mulher na jornada do amadurecimento ou da vida adulta necessita de uma formação espiritual, que, na maioria das vezes, se realiza de maneira até mais árdua que qualquer prova, trabalho, TCC, dissertação ou tese. E era essa formação espiritual que Moisés estava prestes a ter.
2. Seus 40 anos de formação diante do deserto com o sacerdote de Midiã que era amigo de Deus
Em seus “segundos quarenta anos de vida” (v. 23 a 34), Estevão nos lembra que após ter matado um egípcio que oprimia um hebreu, Moisés foge e torna-se “peregrino na terra de Midiã, onde lhe nasceram dois filhos.” (v. 29). Esta segunda fase da sua vida, se encerra com o seu chamado para retornar à terra do Egito e libertar o povo de Israel. Pois lemos: “Decorridos quarenta anos, apareceu-lhe, no deserto do monte Sinai, um anjo, por entre as chamas de uma sarça que ardia.”(v. 30). E o Senhor lhe diz: “Vem agora, e eu te enviarei ao Egito”(v. 34).
Nessa transição de uma fase da vida para outra, Moisés teve a ideia de visitar seus irmãos, os filhos de Israel (v. 23). Saiu dos palácios reais e resolveu sujar os pés com o barro do mundo real. Passeando em sua “Ferrari modelo conversível” pelas ruas do Egito, Moisés se deparou com uma briga entre um egípcio e um hebreu. Resolveu intervir com a força do seu braço e matou o egípcio. Moisés se deu mal com essa.
Certamente que Moisés sabia da situação em que viviam seus irmãos, pois eram todos escravos no Egito. Tudo indica também que, de alguma forma, Moisés tinha um conhecimento da fé do seu povo. Teve acesso a esta fé, possivelmente através da sua mãe verdadeira, que lhe serviu de ama durante a sua infância, até que finalmente ele veio a ser entregue à filha de Faraó.
Ao que parece também no texto, Moisés, além de já ter uma fé em Deus, de alguma forma já tinha também a consciência de que Deus queria salvar o Seu povo por seu intermédio, pelo fato de se dirigir até seus irmãos da forma que o fez. Estevão diz em seu sermão que “Moisés cuidava que seus irmãos entenderiam que Deus os queria salvar por intermédio dele; eles porém não compreenderam.” (Atos 7:25).
Assim, possivelmente, pensava ele que através de sua formação e de sua influência, ele poderia de alguma forma ajudar a seus irmãos. Mas isto não deveria acontecer do seu próprio jeito e sim do jeito de Deus. Deus tinha um caminho traçado, mas Moisés acionou o Waze para pegar um atalho e tentar chegar mais rápido ao seu destino.
Faltava a ele aprender apenas um detalhe: dependência do Senhor. O que ele tinha era aquela falsa sensação de autonomia que leva as pessoas a definirem a vida pela força do próprio braço – como se isso fosse ser um adulto ou ter a vida adulta. Moisés até tinha boas intenções, no mundo do politicamente correto isso já é até suficiente, mas no mundo de Deus não.
Lemos “No dia seguinte…”, ou seja, de fato Moisés continuou insistindo no que havia proposto, ou seja, fazer seus “irmãos entenderem que Deus os queria salvar por intermédio dele” (v. 25), continuando nisso um dia após o outro, pois depois de matar o egípcio, “no dia seguinte”, já estava agindo novamente.
Moisés tentou esconder o que havia feito, mas logo em seguida soube que já haviam descoberto o seu assassinato, e isto teve sérias consequências. O livro de Êxodo, registra que desde então, Faraó sabendo disto, o procurava para matá-lo e por isso ele temeu e fugiu para a terra de Midiã.
Em Midiã, ele se encontra com um sacerdote chamado Reuel (amigo de Deus) ou também chamado de Jetro (abundância), que era pastor de ovelhas. Moisés se casa com uma de suas filhas e tem dois filhos. Deus o conduz como peregrino para aprender o caminho do discipulado com esse sacerdote e pastorear ovelhas no campo. É a escola do deserto de Deus com Moisés. Em meio a esse deserto, Moisés foi marcado pela amizade e abundância de Deus.
Moisés tinha um currículo invejável para sua época, mas restava a ele uma experiência profunda com o Senhor nas áreas subterrâneas de sua alma. Foram 40 anos de formação. É em Midiã que Moisés passa a habitar agora. Um território desértico e hostil, onde a sobrevivência humana é muito difícil.
Em vez do luxo e do conforto na escola do palácio egípcio, Moisés agora experimenta a escola do deserto. Em vez da riqueza e fartura do Egito, Moisés agora experimenta a simplicidade e escassez do deserto. Em vez da ostentação das vestimentas palacianas, suas vestes agora eram grosseiras e surradas, sua alimentação era simples, sua habitação era em tendas.
Além do mais, agora Moisés tinha um discipulado, uma caminhada espiritual com seu sogro amigo de Deus e cheio de abundância (Reuel ou Jetro). Toda a afluência de Deus estava ali. Como diria Eugene Peterson, é uma longa obediência na mesma direção. Ver, entender e viver a vida como uma jornada espiritual e não como uma trilha de sucesso progressivo até o topo.
3. Seus últimos 40 anos de vida com a dura missão de libertar o povo do Egito e conduzi-los até a terra prometida
Finalmente, a terceira fase da vida de Moisés é relatada (v.35 e 36). Ele retorna ao Egito e liberta o povo de Israel “fazendo prodígios e sinais na terra do Egito, assim como no mar Vermelho e no deserto, durante quarenta anos.”
“35 A este Moisés, a quem negaram reconhecer, dizendo: Quem te constituiu autoridade e juiz? A este enviou Deus como chefe e libertador, com a assistência do anjo que lhe apareceu na sarça. 36 Este os tirou, fazendo prodígios e sinais na terra do Egito, assim como no mar Vermelho e no deserto, durante quarenta anos.”
Conforme a narrativa de Estevão, Moisés já viveu dois terços de sua vida. Agora com 80 anos, retorna ao Egito para liderar o povo em uma jornada libertadora. O Senhor, ao longo, desses 80 anos, estava preparando sua vida para os 40 anos que seguem. Quando começa e termina a vida adulta mesmo?
O segredo de Moisés não estava ancorado em seu currículo de conquistas humanas, mas em uma revelação do Senhor em meio a sarça (veja esse relato em Êxodo 3 e 4). O Senhor vocacionou Moisés para o desafio de uma vida madura a serviço do Reino.
É interessante notar que Moisés foi um dos líderes que teve a sua identidade mais questionada durante o seu ministério. Isso aconteceu aos 40 anos quando um israelita o questionou: quem te constituiu autoridade e juiz sobre nós? E aconteceu inúmeras vezes durante essa trajetória de libertação do povo do Egito e peregrinação pelo deserto. Muitas vezes, a liderança de Moisés foi questionada, ele foi injustiçado, culpado e quase apedrejado pelos seus irmãos.
E como o Senhor se revela para Moisés?
“Disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós outros.” (Êxodo 3:14). A afirmação da identidade de Deus que estabelece um firme fundamento para a vida madura de Moisés no cumprimento da sua missão. Não existe maturidade maior que enraizar a identidade em Deus!
Com isto, vemos mais uma grande lição, que o segredo do homem adulto não está na sua formação em si, seja ela teórica ou prática, mas sim, no exercício de sujeitar tudo isso a uma total dependência de Deus. Segundo o texto de Atos, estes sinais e prodígios foram feitos:
Na terra do Egito: as famosas dez pragas entre outros.
No mar vermelho: abertura das águas para que o povo atravessasse em terra seca, os Egípcios vieram logo após e foram destruídos.
No deserto por quarenta anos: Deus operou dezenas de milagres através da vida de Moisés.
Hebreus 11:23-29
“Pela fé, Moisés, apenas nascido, foi ocultado por seus pais, durante três meses, porque viram que a criança era formosa; também não ficaram amedrontados pelo decreto do rei. Pela fé, Moisés, quando já homem feito, recusou ser chamado filho da filha de Faraó, preferindo ser maltratado junto com o povo de Deus a usufruir prazeres transitórios do pecado; porquanto considerou o opróbrio de Cristo por maiores riquezas do que os tesouros do Egito, porque contemplava o galardão. Pela fé, ele abandonou o Egito, não ficando amedrontado com a cólera do rei; antes, permaneceu firme como quem vê aquele que é invisível. Pela fé, celebrou a Páscoa e o derramamento do sangue, para que o exterminador não tocasse nos primogênitos dos israelitas. Pela fé, atravessaram o mar Vermelho como por terra seca; tentando-o os egípcios, foram tragados de todo.”
Moisés foi formado para ser um grande líder, e de fato, exerceu a sua liderança com sucesso. Todo seu conhecimento intelectual e a sua formação prática lhes foram úteis no exercício de sua liderança, no entanto, sempre se sujeitando ao SENHOR e confiando plenamente Nele.
Essa é a lei da semeadura: plantar e colher! Moisés plantou uma boa formação intelectual e cultural no Egito, plantou espiritualidade em Deus no deserto, plantou a lei de Deus no coração do povo durante os 40 anos de jornada. Mas o que ele colheu?
O desafio da vida adulta dentro da perspectiva da lei da semeadura é justamente esse: aprender a colher bons resultados na vida e direcioná-los a Deus, como também aprender a colher maus resultados na vida e direcioná-los a Deus que transforma até mesmo o mal em bem. Toda a vida adulta de Moisés foi plantando. A vida humana é marcada pelo plantio.
Você deve estar se perguntando: e o Reino de Deus? Como se encaixa em Moisés? Justamente: lembra a história de entrar na Terra da promessa? Ele sobe ao monte, vê toda essa terra, mas já estava de posse do REINO. Moisés não experimentou essa terra física, mas provou da terra espiritual enquanto peregrinava aqui na Terra.
Deuteronômio 31:1-2
“Passou Moisés a falar estas palavras a todo o Israel e disse-lhes: Sou, hoje, da idade de cento e vinte anos. Já não posso sair e entrar, e o SENHOR me disse: Não passarás o Jordão.”
Nós nos encantamos com o reino dos adultos como se ele fosse tudo para nós e esquecemos a grandeza do Reino de Deus em nossa vida. Gastamos todo o nosso tempo e energia tentando ser alguém na vida – isso é reino dos adultos. O Reino de Deus é a posse do Rei dentro de nós.
Deuteronômio 34
“Então, subiu Moisés das campinas de Moabe ao monte Nebo, ao cimo de Pisga, que está defronte de Jericó; e o SENHOR lhe mostrou toda a terra de Gileade até Dã; e todo o Naftali, e a terra de Efraim, e Manassés; e toda a terra de Judá até ao mar ocidental; e o Neguebe e a campina do vale de Jericó, a cidade das Palmeiras, até Zoar. Disse-lhe o SENHOR: Esta é a terra que, sob juramento, prometi a Abraão, a Isaque e a Jacó, dizendo: à tua descendência a darei; eu te faço vê-la com os próprios olhos; porém não irás para lá. Assim, morreu ali Moisés, servo do SENHOR, na terra de Moabe, segundo a palavra do SENHOR. Este o sepultou num vale, na terra de Moabe, defronte de Bete-Peor; e ninguém sabe, até hoje, o lugar da sua sepultura. Tinha Moisés a idade de cento e vinte anos quando morreu; não se lhe escureceram os olhos, nem se lhe abateu o vigor. Os filhos de Israel prantearam Moisés por trinta dias, nas campinas de Moabe; então, se cumpriram os dias do pranto no luto por Moisés. Josué, filho de Num, estava cheio do espírito de sabedoria, porquanto Moisés impôs sobre ele as mãos; assim, os filhos de Israel lhe deram ouvidos e fizeram como o SENHOR ordenara a Moisés. Nunca mais se levantou em Israel profeta algum como Moisés, com quem o SENHOR houvesse tratado face a face, no tocante a todos os sinais e maravilhas que, por mando do SENHOR, fez na terra do Egito, a Faraó, a todos os seus oficiais e a toda a sua terra; e no tocante a todas as obras de sua poderosa mão e aos grandes e terríveis feitos que operou Moisés à vista de todo o Israel.
Gostaria de concluir essa reflexão através das palavras do grande evangelista do século XIX Dwight L. Moody, que resumiu brilhantemente as três fases na vida de Moisés, dizendo que ele gastou:
40 anos pensando que era alguém
40 anos aprendendo que não era ninguém
40 anos descobrindo o que Deus pode fazer com um ninguém.
Comentários