A igreja de Corinto é uma das mais problemáticas que vemos na Bíblia. Quando Paulo envia sua primeira carta para os corintios, o apóstolo lista diversas questões que precisam ser trabalhadas lá. Alguns não creem que Jesus ressuscitou, outros estão passando a mão num caso de imoralidade sexual, e há grupos dentro da comunidade se dividindo em facções e criando conflitos. Mas talvez o maior problema, ou a principal causa por trás dos erros é o orgulho.
Se separarmos os primeiros quatro capítulos de 1 Coríntios (clique aqui para acompanhar a leitura), encontraremos Paulo lidando diretamente com o orgulho, mas esse é um tema presente em toda a carta. Podemos ver isso em 1 Coríntios 1:29 (a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus), 3:7 (Portanto, ninguém se glorie nos homens), 4:6 (não ultrapasseis o que está escrito; a fim de que ninguém se ensoberbeça a favor de um em detrimento de outro), 8:1 (O saber ensoberbece, mas o amor edifica) e assim vamos.
Os corintianos eram orgulhosos. É a partir disso que vinham as discussões que encontramos, por exemplo, no versículo 4 do capítulo 3. Eles diziam “eu sou de Paulo, eu sou de Apolo, eu de Jesus.” Cada um seguia um mestre e se orgulhava no mestre que seguia. Não há mérito nenhum no orgulho, mas ver que eles se gloriavam apenas por conta de quem seguiam, e não pelo que fizeram, torna essa auto exaltação ainda mais patética. É algo semelhante ao que vemos com os seguidores ferrenhos de partidos ou candidatos políticos hoje em dia. A escolha de quem seguir gera no coração uma falsa certeza de superioridade em relação aos que aderem a outro caminho. E assim, quando os tolos se acham cheios de sabedoria, o corpo vai perdendo a sua unidade.
Quando os tolos se acham cheios de sabedoria, o corpo vai perdendo a sua unidade
Paulo, naturalmente, sabia disso. Por isso nos versículos 3-5 do capítulo 2, ele fala: A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus. Entretanto, expomos sabedoria entre os experimentados; não, porém, a sabedoria deste século, nem a dos poderosos desta época, que se reduzem a nada. Então há duas formas de sabedoria. Uma que é a sabedoria humana (a que os corintios estavam buscando), que se reduz a nada, e a outra que aqui é sabedoria de Deus. Agora, descendo pro versículo 10, encontramos a forma pela qual Deus nos faz conhecer sua sabedoria: Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus.
Essa sabedoria é para quem é de Deus, para os que, aos olhos do autor da carta, são verdadeiramente experimentados (v. 6). Tanto é que no versículo 8, logo acima, Paulo diz que os poderosos da Terra não a têm. Então a sabedoria de Deus não tem nada a ver com os méritos pelos quais nós normalmente consideramos alguém sábio. Ela não está relacionada a sucesso profissional, fama, conexões ou muito conhecimento, mesmo conhecimento doutrinário. Tudo isso, Paulo vai dizer, se reduz a nada sem o Espírito Santo. Para diferenciar aqueles que buscam a sabedoria de Deus e aqueles que buscam a sabedoria humana, o apóstolo apresenta dois grupos: o homem espiritual e o homem natural, ou carnal.
Sabedoria não está relacionada a sucesso profissional, fama, conexões ou muito conhecimento, mesmo conhecimento doutrinário. Tudo isso, Paulo vai dizer, se reduz a nada sem o Espírito Santo.
Versículos 14 e 15 do capítulo 2: Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Porém o homem espiritual julga todas as coisas, mas ele mesmo não é julgado por ninguém. O homem espiritual é o verdadeiro sábio, o verdadeiro experimentado. Sua sabedoria não está baseada simplesmente no aprendizado teórico, mas ele é cheio das coisas do Espírito Santo.
Este é um ensinamento que Charles Spurgeon, nas Lições aos Meus Alunos Vol. 2, também apresenta: Ser- me-á vão suprir minha biblioteca, ou organizar sociedades, ou fazer planos, se eu negligenciar o cultivo de mim mesmo; pois livros, agências e sistemas só remotamente são instrumentos da minha santa vocação. Meu espírito, alma e corpo são os meus mecanismos mais à mão para o serviço sagrado; as minhas faculdades espirituais e a minha vida interior são o meu machado de combate, as minhas armas de guerra.
Note o que Spurgeon considera como útil para o bom combate: o cultivo do ser interior, do ser espiritual. É nisso, não no conhecimento teórico (algo que tem seu valor inquestionável, mas que não substitui a essência) que o pastor encontra a verdadeira maturidade necessária para o seu serviço. O apóstolo Paulo desenvolve ainda mais esse raciocínio no capítulo 3 de 1 Coríntios, onde ele dá outro termo para homens naturais: crianças em Cristo. Pessoas sem maturidade, que não aguentam o alimento sólido, ainda ficam mamando leite (3:1-2).
E é aqui que a conexão com o problema do orgulho em Corinto fica clara. Versículos 3 e 4 do capítulo 3: Porquanto, havendo entre vós ciúmes e contendas, não é assim que sois carnais e andais segundo o homem? Quando, pois, alguém diz: Eu sou de Paulo, e outro: Eu, de Apolo, não é evidente que andais segundo os homens? Paulo traça uma linha de pensamento clara: sabedoria humana é falsa, não gera crescimento em Deus, mantém as pessoas numa infância espiritual e seus relacionamentos são segundo a carne: cheio de orgulho, inveja, contendas e falsidade. A sabedoria de Deus, que é se encher do Espírito Santo, nos apresenta o caminho reverso, e gera relacionamentos abençoadores, edificantes, profundos e verdadeiros.
O próprio Paulo, na carta aos Gálatas, mostra que a consequência de uma vida cheia do Espírito Santo se vê nos relacionamentos. Vejamos as características do fruto do Espírito (Gl 5:22-23): Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio.
A verdadeira sabedoria cristã é vista nos relacionamentos cheios do Espírito.
Todas essas características são relacionais e afetam diretamente a forma com a qual nos relacionamos com o próximo. O que Paulo está mostrando com isso tudo é que a verdadeira sabedoria cristã é vista nos relacionamentos cheios do Espírito. Isso deve nos levar a avaliar de uma forma completamente diferente nosso conceito de ser sábio, e nos chama a buscar imediatamente mais do Espírito de Deus. Felizmente, ele já nos foi dado, e nossa parte nisso deve ser uma santa submissão à vontade do Pai, o que vem através de uma comunhão com Ele, algo que, por sua vez, parte de uma vida de leitura bíblica e oração.
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