“Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é mal à tua vista…” – Salmos 51:4
Este é o salmo de confissão de Davi quando ele pecou contra o Senhor negligenciando o seu ofício, cobiçando a mulher do próximo, adulterando e assassinando. Após ser confrontado pelo profeta Natã (2Sm 12) Davi reconhece o seu pecado e escreve a oração que se encontra no Sl 51. Conhecido por sua caminhada em devoção e honra a Deus, Davi agora se encontra fazendo o que é mal aos olhos do Senhor. Os seus pecados nos ensinam que até um homem de Deus tem o potencial de cometer coisas terríveis se perder o Criador de vista.
Nesse cenário estamos diante de um homem de Deus, e vemos que a Palavra não esconde os pecados dos seus “heróis,” pelo contrário, ela denuncia o erro e anuncia um novo caminho. O pecado cometido por Davi trouxe sérias consequências na sua vida, todavia, podemos tirar grandes lições com essa narrativa bíblica, e é sobre isso que iremos refletir.
1 – O capítulo 11 de 2 Samuel começa com essa observação: “No tempo em que os reis saem à guerra.” E o texto continua e mostra que Davi não foi para a guerra, mas ficou em Jerusalém. O salmista já gozava de um governo prospero e seguro, Deus entregava nas mãos dele os seus inimigos e o seu reinado se expandia cada vez mais. Mas vemos que, ao invés de se regozijar no Senhor e servi-lo em sua vocação, ele começa a negociar esse caminho. Fazia parte do ofício do rei estar com o seu exército na batalha. Parece-nos que Davi começa a revelar o seu coração com essa atitude.
2 – “E aconteceu que numa tarde Davi se levantou do seu leito, e andava passeando no terraço da casa real, e viu do terraço a uma mulher que se estava lavando; e era esta mulher mui formosa à vista.” – (2 Sm11:2). Davi ao olhar para a mulher que estava se lavando, deixou-se levar por uma lascívia desenfreada, e mesmo quando soube que era uma mulher casada (v.3) não desistiu de fazer o que queria. O rei manda que mensageiros a busquem e se deita com Bate-Seba. A concessão de Davi de não ir para guerra agora estava comungando com a concessão da luxúria, cobiça, adultério. Um abismo foi chamando outro abismo e o coração do rei foi mostrando o estado em que se encontrava.
3 – O pecado de Davi não parou por aí. Ele arquitetou a morte de Urias, o marido de Bate-Seba, deliberadamente. Antes de planejar a morte dele, Davi tentou tirar Urias da sua missão, propondo que Urias fosse para casa e ficasse com a sua mulher, e a resposta de Urias foi:
“E disse Urias a Davi: A arca, e Israel, e Judá ficaram em tendas; e Joabe, meu senhor, e os servos de meu senhor estão acampados no campo; e hei de eu entrar na minha casa, para comer e beber, e para me deitar com minha mulher? Pela tua vida, e pela vida da tua alma, não farei tal coisa.” – 2Sm 11:11
Davi estava com o coração tão obstinado no pecado que mesmo ouvindo palavras como essas não se quebrou ao ver um jovem fiel a missão à qual Deus o tinha chamado, sendo fiel ao próprio rei. Urias foi um tipo de consciência do Espírito naquele momento, mas o caminho que Davi estava trilhando era um caminho de morte. Sem êxito nos seus planos, Davi trama a morte de Urias e triunfa. Ainda por cima, ele se sai de um bom rei, porque resgata Bate-Seba depois do falecimento do seu marido.
Os pecados de Davi são apenas a ponta do iceberg. As ações de Davi mostram pra gente um processo de concessões que foram feitas, que frutificaram e que pediram contas. O pecado geralmente acontece por causa de pequenas concessões que vamos abrindo cada vez mais, até que elas se tornam algo grande e terrível.
Lições para nós
1 – O perigo da concessão: Devemos ter cuidado com as pequenas coisas das quais vamos abrindo mão ou negociando e dando o nosso jeitinho para satisfazer os desejos do coração. Olhando para o contexto em que o rei Davi se encontrava, observamos que ele estava desfrutando de grande estabilidade em seu reino, tendo vitórias nas batalhas, riquezas, segurança, etc. O ambiente favorável não deveria promover um coração leviano, pelo contrário, deveria promover um coração grato, cheio de alegria no Senhor. O problema de Davi é que parece que ele tinha perdido isto de vista em seu coração. É como se ele tivesse recebido as bênçãos e estas tivessem tomando o lugar do abençoador. Segundo João Calvino, “o coração do homem é uma fábrica de ídolos.” E como diria o Dr. Russel Shedd: “Quando o nosso eu não é negado, ele necessariamente vai ser adorado.”
2 – O perigo do olhar: O texto fala que o salmista viu a mulher. A Palavra diz que se os nossos olhos forem bons, todo o nosso corpo será bom. Se eles, porém, forem maus, todo o nosso corpo será mal. Além disso, vemos a Bíblia descrita como lâmpada para os nossos pés e luz para o nosso caminho. O nosso olhar deve, então, ser mediado pela Palavra de Deus. Devemos olhar para qualquer coisa com as lentes das Escrituras.
Em vários textos na Bíblia observamos a exortação para que o povo volte os seus olhos para o Senhor. Davi tinha perdido o Senhor de vista, e como consequência disso, ele mesmo se tornou o mediador do seu próprio olhar, olhando para aquilo que bem entendesse. Quando o Senhor estabeleceu os mandamentos, ordenou ao homem que este não cobiçasse a casa do seu próximo, a mulher, o servo e etc. e o coração de Davi estivesse mediado pela Palavra, o seu olhar seria desviado daquilo que o faria pecar. Segundo o Thomas Manton “Devemos ter cuidado com a cobiça, pois não sabemos onde ela terminará.” Nos evangelhos, Jesus falou que:“se o teu olho esquerdo te faz pecar, arranca e joga fora…” Jesus está estabelecendo aqui o princípio da amputação, ou seja; corte relações com aquilo que tem levado você a violar a santa vontade de Deus. O olhar apenas testifica um desvio que ocorreu, ou tem ocorrido, no próprio coração, e é nele que isso precisa ser tratado. Martinho Lutero já falava que tinha mais medo do seu próprio coração do que do Papa e todos os seus cardiais.
3 – O perigo do coração idolatra: O coração que perde o Senhor de vista se apressa em estabelecer um outro deus para adorar. No caso do salmista, o deus que ele escolheu para adorar foi ele mesmo. E sendo deus, ele decretou a morte de um súdito fiel. Ao tramar a morte de Urias, Davi continua a revelar a corrupção na qual o seu coração se encontrava. A potencialidade de pecado se materializou de fato, e mostra o quanto miserável o homem pode ser. Esse potencial para fazer o que é mal está bem presente no coração de todo homem, como diria Augustinho: “O homem não é tão mal o quanto ele pode ser.” O apostolo Paulo já afirmava em sua carta a Timóteo, no versículo 15 do capítulo 1: “…Cristo veio salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal.” A luz da palavra ilumina as potencialidade que existem em nosso coração e essa clareza deve nos levar para os pés da cruz. Nas palavras de Clark Pinnock: “Os mais profundos problemas do homem estão dentro dele mesmo.”
CONCLUINDO
Somente o Senhor pode nos salvar. Só o Senhor pode transformar um coração corrupto. Somente quando os nossos olhos estão fitos nEle é que somos salvos de nós mesmos. O texto de Isaías 45.22 nos diz: “Olhai pra mim e sede salvos diz o Senhor.” De que precisamos ser salvos? Do nosso próprio coração pecaminoso. Nenhuma divindade tem poder para preencher o coração do homem. Como diria Thomas Watson: “O coração é um triângulo que só a Trindade pode preencher. Qualquer outra divindade estabelecida no coração do homem vai leva-lo ao fracasso espiritual.” Somente Deus tem os nutrientes para fortalecer uma vida piedosa.
Se tirarmos os olhos do SENHOR, estaremos perdidos nos descaminhos do nosso coração mau. O segredo para uma vida de vitória espiritual está no SENHOR. Precisamos desesperadamente correr para os pés da cruz e clamar ao Deus da glória para que Ele nos faça viver para o seu nome.
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