Em seu livro Answering God: The Psalms as Tools for Prayer (Respondendo Deus: Os Salmos como Ferramentas de Oração), o pastor Eugene Peterson aponta para um fato interessante. Os Salmos são um livro editado. Uma coletânea de poemas e oração que foi colocada numa ordem específica por alguém através da instrução de Deus. Eles não são ordenados cronologicamente ou por autor. Há propósitos divinos por trás dessas escolhas.
Uma das escolhas mais importantes, Peterson aponta, está nas escolhas de quais orações iniciam o livro. Ele descreve as orações como ferramentas, mas não para obter algo, e sim para ser e se tornar. No caso, ser cristão e se tornar um cristão mais maduro. Elas são respostas que damos a Deus com base no que Ele fala conosco, seja nos momentos de meditação na Palavra, numa pregação, no louvor ou mesmo na própria oração. Afinal de contas, comunicação é importante em qualquer relacionamento íntimo. Não é diferente aqui.
E é nesse contexto que devemos observar os Salmos 1 e 2. Eles funcionam como uma espécie de “pré-oração,” preparando o coração para dar a resposta adequada a Deus.
Foco e atenção
O primeiro versículo do Salmo 1 é um dos textos mais famosos da Bíblia; “Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores.” Mais pra frente, o salmista diferencia ainda mais esses dois personagens. O homem bem-aventurado “é como árvore plantada junto a corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem sucedido” (v. 3), enquanto os ímpios “são, porém, como a palha que o vento dispersa” (v.4).
Por que o homem que não anda no conselho dos ímpios é bem-aventurado? Porque ao meditar na Palavra do Senhor e encontrar o prazer nela (v. 2), ele se mostra firme e focado. Os ímpios são levados por qualquer vento ou caminho de vida. Isso é ainda mais aparente hoje, quando há inúmeras oportunidades de distração. A internet, carreiras, instituições de educação e até mesmo igrejas oferecem para nós inúmeras oportunidades, algumas pecaminosas e muitas não. Temos mais poder de escolha do que nunca. Podemos ver qualquer filme, pedir qualquer prato para o jantar ou falar com pessoas em qualquer lugar do planeta.
Mas a oração nos chama a entrar em foco. A não ser levado por qualquer vento de doutrina e sim colocar todo o nosso íntimo diante de Deus. Ela é muito mais do que um ritual no qual devemos dizer as palavras certas, nossa alma está envolvida. E notem que o que permite tal foco é a meditação na Palavra. É uma atenção virada para a fala de Deus, ouvidos prontos para escutá-lo e um coração pronto para respondê-lo da melhor maneira possível.
Não seremos intimidados
Já o Salmo 2 passa a falar de outro aspecto. Nele, o salmista reconhece a existência de pessoas poderosas, que se levantam contra o Senhor buscando apenas suas agendas e tentando ditar o curso da história. “Os reis da terra se levantam, e os príncipes conspiram contra o SENHOR e contra o seu Ungido, dizendo: Rompamos os seus laços e sacudamos de nós as suas algemas” (v.2-3). A resposta dos céus não podia ser mais apropriada.
O versículo 4 diz que o Senhor ri e zomba deles, e mais pra frente vemos que Ele é o verdadeiro governante do mundo. “Pede-me, e eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra por tua possessão” (v. 8). Todos os países são propriedade de Deus, e Ele os dará a quem bem entender. Os reis não são figuras comuns hoje em dia, mas é fácil substituí-los pelas figuras de extrema influência no século 21. Políticos, presidentes, ditadores, estrelas famosas e executivos de diversas indústrias se encaixam aqui.
Assim como o mundo oferece inúmeras distrações, não faltam razões para nos sentirmos intimidados. Governos mudam, golpes acontecem, a privacidade é constantemente invadida. Quanto mais percebemos como somos pequenos, mais assustador o grande mundo ao nosso redor pode parecer. O Salmo 2 revela um Deus acima disso tudo. Quando entramos em oração, estamos diante do Criador de todo o universo, o Autor de toda a história e o Rei acima de todos os reis. Com isso em mente, podemos orar temendo apenas aquele que merece ser temido. Ao mesmo tempo, podemos orar com um espírito de adoração diante do Todo-Poderoso que pode vencer qualquer batalha.
O Ingrediente Mais Importante
Mas o mais importante de tudo, Peterson aponta, é o que inicia e conclui esse conjunto de salmos. Já falamos do início do Salmo 1; “Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios.” Junto com ele, podemos observar o final do Salmo 2, no versículo 12, onde encontramos “Bem-aventurados todos os que nele se refugiam.” Tudo que está entre essas duas frases aponta para uma verdade: nós somos bem-aventurados por estarmos num relacionamento com o próprio Deus.
Esse é o espírito de quem ora. Bem-aventurado, feliz, alegre, completo, abençoado. Somos bem-aventurados por podermos focar nossa mente e fugir das distrações, bem-aventurados por não precisarmos temer nenhum homem ou sistema de governo.
Nós somos bem-aventurados por estarmos num relacionamento com o próprio Deus
Peterson diz que esse é o equilíbrio perfeito. Entrar na oração com receio nos impediria de desfrutar da mais íntima comunhão com Deus, enquanto um coração orgulhoso não se humilharia ou se abriria para ser tratado nessa conversa santa. Bem-aventurado nos deixa alegres, nos mostra que tipo de relacionamento é esse. Com isso ficamos prontos, curiosos e famintos por mais dessa glória tão boa.
Inúmeros sentimentos podem dar o pontapé inicial de uma oração. Os salmos tratam de vários; adversidade (Salmo 3), arrependimento (Salmo 51), adoração (Salmo 8) medo (Salmo 23), ódio (Salmo 137) tristeza (Salmo 6), dúvida (Salmo 73), gratidão (Salmo 92) e assim vai. Mas o elemento em comum em todas elas é a bem-aventurança daquele ora. Não importa a razão que nos levou a orar, não podemos nos esquecer da nossa condição de abençoados ao falar com Deus.
Sem isso, as orações serão lugares para expressarmos e extravasarmos o que estamos sentido. Com isso, nossos sentimentos e pensamentos são processados e tratados pelo filtro de Deus, onde uma verdade reina acima de todos eles: nós somos bem-aventurados.
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