A história de Jacó e Raquel é, várias vezes, ensinada como um bom exemplo de como deve ser o amor de um homem por sua mulher. Jacó oferece trabalhar sete anos para seu tio Labão em troca de se casar com sua filha mais nova, Raquel, que segundo Gênesis 29 era “formosa de porte e de semblante,” diferente de sua irmã mais velha, Lia, que “tinha os olhos baços,” ou fracos, o que, colocado em contraste com a descrição de Raquel, indica que sua aparência não era atraente.
Jacó trabalha sete anos, mas Labão, sabendo que Lia provavelmente teria trabalho para encontrar um marido, manda sua filha mais velha para o altar. Jacó casa-se com Lia, tem relações sexuais com ela, mas só descobre o que seu tio tramou na manhã seguinte. Ele então oferece trabalhar mais sete anos para, finalmente, tomar Raquel como esposa. Que exemplo, certo? Seu amor é tão grande que ele aceita esperar 14 anos para finalmente se juntar à ela.
Mas, na verdade, essa é uma história repleta de idolatria e a pessoa que mais merece nossa atenção, na verdade, é Lia.
A Idolatria de Jacó
Como bem aponta Timothy Keller no seu livro Deuses Falsos, Jacó foi parar nessa situação por conta de sua idolatria. Tudo começa quando seu pai, Isaque, filho de Abraão, mostra uma clara preferência por Esaú, irmão mais velho de Jacó, mesmo com uma promessa de Deus de que o filho mais novo seria o escolhido para continuar a descendência que traria o Messias (Gn 25:23). A preferência equivocada de Isaque deixa Esaú orgulhoso, enquanto Jacó vira ciumento e amargo.
As consequências disso vêm na hora que Jacó finge ser seu irmão e obtém a bênção que seu pai ia dar a Esaú. Ele não crê que Deus pode usá-lo mesmo não receba a bênção de Isaque. A aprovação e aceitação do seu pai é mais importante, junto com a necessidade de se sentir poderoso e importante, como um protagonista. Ele peca contra sua família e é forçado a fugir da ira de Esaú, que quer matá-lo, e busca refúgio na casa de Labão, tudo por causa do desejo do seu coração.
Esse mesmo desejo agora se apresenta na forma do amor romântico que ele tem por Raquel. Ele quer, com todas as suas forças, casar com ela. Mas Labão sabe que o costume da época é que a filha mais velha case primeiro, e se Lia, pouco atraente como é, não encontrar um marido, ele terá que sustentá-la até morrer. Ele também é idólatra, pensando no dinheiro e nos costumes em primeiro lugar, e engana Jacó.
Mas a idolatria de Jacó pelo casamento com a bela Raquel era tão grande que mesmo após essa armadilha ele continua com seu objetivo, trabalhando mais sete anos para Labão. O erro dele fica claro em Gênesis 29:30, quando é dito que Jacó, mesmo já casado com Lia, preferia outra mulher. Ele “amava mais a Raquel do que a Lia.” A aliança do casamento pouco significa para o filho de Isaque. Ele quer o que quer.
O Louvor de Lia
Até este ponto da história, Lia parece ser totalmente ignorada, por Jacó, por Labão e pela própria Bíblia, mas Deus, como o fantástico roteirista que é, tem um plano para a vida dessa mulher. Lia acredita que o reconhecimento de Jacó só virá se ela lhe der um filho, e passa a ter esse objetivo. Assim como Jacó tentou preencher o buraco do seu coração com a aprovação do seu pai e o casamento com Raquel, Lia procura o mesmo com o amor de seu marido, e para isso, quer lhe dar descendentes.
Então, temos a incrível narrativa de Gênesis 29:31-35.
Vendo o SENHOR que Lia era desprezada, fê-la fecunda; ao passo que Raquel era estéril. Concebeu, pois, Lia e deu à luz um filho, a quem chamou Rúben, pois disse: O SENHOR atendeu à minha aflição. Por isso, agora me amará meu marido. Concebeu outra vez, e deu à luz um filho, e disse: Soube o SENHOR que era preterida e me deu mais este; chamou-lhe, pois, Simeão. Outra vez concebeu Lia, e deu à luz um filho, e disse: Agora, desta vez, se unirá mais a mim meu marido, porque lhe dei à luz três filhos; por isso, lhe chamou Levi. De novo concebeu e deu à luz um filho; então, disse: Esta vez louvarei o SENHOR. E por isso lhe chamou Judá; e cessou de dar à luz.
Perceba as palavras de Lia após o nascimento de Rúben, Simeão e Levi. “Agora me amará o meu marido” e “desta vez, se unirá mais a mim meu marido.” Ela está desesperada pelo amor de Jacó porque se vê como aflita e desprezada. Mas após o nascimento de Judá, algo muda. “Esta vez louvarei o SENHOR,” ela declara. Finalmente, ela entendeu. O nascimento de Judá não é para Jacó, é para Deus.
Lia glorifica a Deus da maneira que o agrada quando finalmente entende que sua satisfação jamais estará no seu marido. Ela engradece o Senhor porque reconhece que só Ele pode preencher o vazio de sua alma. Tanto é que ela não engravida novamente. Não há mais necessidade de filhos. Lia está feliz.
Mas Deus não para por aí. Em Gênesis 49 descobrimos que é através de Judá que virá o Messias, o nosso Salvador. Lia saiu de desprezada por seu pai e seu marido para parte da descendência de onde viria Jesus. Mais tarde, quando ia reencontrar Esaú, Jacó entendeu essa verdade e teve seu nome mudado para Israel. Mas Lia compreendeu, muito antes, que Deus satisfaz até mesmo a alma mais solitária.
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