Na metade da quarta temporada de The Walking Dead (spoiler!) a prisão onde os personagens principais da série se abrigavam é violentamente atacada e destruída por um vilão. Logo, todos os sobreviventes que moravam ali fogem às pressas, divididos em pequenos grupos. Nessa fuga o casal Glenn (Steven Yeun) e Maggie (Lauren Cohan) são separados e então começa uma saga em que o par de apaixonados dedicam todo o seu tempo para achar novamente sua outra metade. Durante o tempo de separação, Glenn lembra de sua amada através da única foto que ele tirou dela enquanto estavam juntos. Finalmente, após sete episódios (equivalente a cerca de dois meses para o telespectador) os dois se reencontram.
No décimo quinto episódio da temporada, intitulado “Us” (Nós), após o reencontro emocionante, há uma cena que me chama bastante atenção: Maggie encontra a foto que Glenn guardava com tanto zelo e pega um isqueiro para queimá-la. Glenn, assustado, pergunta à sua esposa o que ela estava fazendo, pois aquela era a única foto que ele tinha dela. A resposta de Maggie ao questionamento do seu par romântico foi: “Não precisa ter uma foto minha! Nunca mais vai precisar!”. Quando Glenn percebe que aquela foto era apenas uma figura, uma sombra da pessoa a quem ele tanto amava e aguardava, e que agora tinha chegado o momento de desfrutar de forma mais concreta da presença de sua amada, ele consente em não se apegar mais à foto.
A foto era importante para o personagem, mas era menos excelente do que a sua amada. A foto apontava para a sua amada, e agora ela estava ali com ele! Então pra que guardar a foto? Pra que guardar uma sombra?
Estas coisas são sombras do que haveria de vir; a realidade, porém, encontra-se em Cristo. (Cl 2:17)
Não é difícil encontrar movimentos intitulados evangélicos tentando judaizar, “purificar” e “espiritualizar” a igreja e o culto ao introduzir neles elementos e práticas que eram presentes na lei cerimonial do Antigo Testamento. O toque de shofar para invocar a presença de Deus, homens vestidos de sacerdotes carregando uma cópia da arca da aliança, e assim vai. Igrejas que guardam festas judaicas como por exemplo a festa da colheita e outras, como se isso tudo fosse instituído como obrigatório para a igreja de Cristo após a morte e ressurreição de Jesus. Como se essas coisas fossem pressupostos para nos relacionarmos com Deus. E elas não são!
O que as Escrituras nos mostra é que as leis acerca do templo, acerca de purificações, essas Leis ditas cerimoniais, foram sim instituídas pelo próprio Deus, tiveram o seu propósito, mas elas eram sombra de algo mais excelente que viria e que foi planejado pelo Deus Triúno desde toda a eternidade, eram um “tipo de Spoiler no Antigo Testamento.” Essas Leis foram instituídas por Deus como figuras que apontavam para Cristo. Nele, as sombras e figuras ganharam substância, se tornaram concretas.
Jesus obedeceu perfeitamente toda a Lei, incluindo as cerimonias, que, nele, ganharam seu cumprimento definitivo, e consequentemente, não precisamos mais guardá-las. Foi o próprio Cristo quem falou: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra.” (Mt 5:17-18).
Não precisamos mais de sacerdotes levíticos paramentados e adentrando num templo enquanto fazem diversos rituais para interceder pelo povo. Não precisamos deles para, ano após ano, oferecer sacrifício primeiramente pelos seus pecados e depois pelos pecados do povo. Esse sacerdócio era sombra do sacerdócio eterno e perfeito que ganhou substância em Jesus. Até porque, os próprios sacrifícios eram figuras de Cristo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1:29). “Com efeito, nos convinha um sumo sacerdote como este, santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores e feito mais alto do que os céus, que não tem necessidade, como os sumos sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifícios, primeiro, por seus próprios pecados, depois, pelos do povo; porque fez isto uma vez por todas, quando a si mesmo se ofereceu.” (Hb 7:26-27).
Até mesmo o tabernáculo terreno figurava um tabernáculo celestial, pois os sumo sacerdotes ministravam “em figura e sombra das coisas celestes, assim como foi Moisés divinamente instruído, quando estava para construir o tabernáculo; pois diz ele: Vê que faças todas as coisas de acordo com o modelo que te foi mostrado no monte.” (Hb 8:5). “Era necessário, portanto, que as figuras das coisas que se acham nos céus se purificassem com tais sacrifícios, mas as próprias coisas celestiais, com sacrifícios a eles superiores. Porque Cristo não entrou em santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para comparecer, agora, por nós, diante de Deus.” (Hb 9:23,24).
No Novo Testamento, por exemplo, os dias santos passaram a ser optativos (Rm 14:5-6) e todos os alimentos que tornavam o homem ritualmente impuro no AT são declarados puros (Mc 7:19). Kevin DeYoung, citando Jonathan Klawans diz que “a impureza ritual e a impureza moral são duas categorias análogas mas distintas“. Sendo assim, a pureza continua vigente para os cristãos nos aspectos morais, mas na categorização cerimonial ou ritual não, pois estas encontraram seu cumprimento em Cristo.
A pureza continua vigente para os cristãos nos aspectos morais, mas na categorização cerimonial ou ritual não, pois estas encontraram seu cumprimento em Cristo
Há muitas e muitas outras formas de mostrarmos, através da Palavra, aspectos da Lei cerimonial se cumprindo em Jesus, mas não queremos nos delongar aqui. Uma ótima forma de apenas dar início a um estudo sobre esses aspectos é lendo a epístola aos Hebreus, que vai nos mostrar a superioridade de Cristo em relação aos anjos, a Moisés, ao ministério sacerdotal. Além disso, a carta também vai nos mostrar de muitas formas como diversas figuras e sombras se cumprem em Cristo.
A confissão de fé de Westminster e a Confissão Belga resumem bem esse ensino claro das Escrituras:
“Foi Deus servido dar ao seu povo de Israel, considerado uma igreja sob a sua tutela, leis cerimoniais que contêm diversas ordenanças típicas. Essas leis, que em parte se referem ao culto e prefiguram Cristo, as suas graças, os seus atos, os seus sofrimentos e os seus benefícios, e em parte representam várias instruções de deveres morais, estão todas abrogadas sob o Novo Testamento.” CFW 19. 3
“Cremos que as cerimônias e figuras da lei terminaram com a vinda de Cristo e que, assim, todas as sombras chegaram ao fim. Por isso, os cristãos não devem mais usá-las. Contudo, para nós, sua verdade e substância permanecem em Cristo Jesus, em quem têm seu cumprimento.” Confissão Belga 25
Vale ainda salientar que, apesar de não estarmos mais obrigados a guardar os aspectos cerimoniais da Lei, não devemos desprezá-los como se não tivéssemos nada para aprendermos com eles. Como Kevin DeYoung bem disse: “No sentido mais verdadeiro nada no Antigo Testamento deve ser descartado. Toda a Escritura foi inspirada por Deus e é proveitosa para o cristão (2Tm 3:16-17). Até o obsoleto sistema de sacrifícios ainda nos ensina sobre a natureza de adoração espiritual e do verdadeiro discipulado (Rm 12:1-2). Cada lei no Antigo Testamento revela algo sobre o caráter de Deus e a natureza de nossa obediência“.
Voltando para The Walking Dead, assim como Glenn se desapegou daquela foto porque agora ele podia desfrutar da presença de sua amada, nós não precisamos guardar aspectos da Lei cerimonial que eram apenas figuras, sombras do nosso amado Jesus. Pelo contrário, podemos desfrutar do relacionamento com Jesus, podemos desfrutar de forma concreta dos benefícios de salvação da obra de Cristo. A foto é importante, mas é menos excelente do que Jesus. A foto apontava para o amado Jesus, e agora Ele já veio e podemos desfrutar de Sua presença! Então pra que guardar a foto? Pra que guardar uma sombra? Como Maggie disse: “Não precisa ter uma foto! Nunca mais vai precisar!“
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